segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ao sexto andar.


- Sexto – esbaforida, pouco a fim de conversa.


Térreo.

- Tempo esquisito, né? – o Outro diz apertando o botão.

- Sim, há dias em que há três estações – Ele responde enquanto aperta todos os botões do elevador, que daí em diante parará em cada andar. Ao esconder as mãos atrás das costas como uma criança travessa que foi descoberta, Ele dá um risinho.

Primeiro andar.

- E eu que trabalho lá pelos lados da Jânio?

O Outro responde- Trabalho lá também. Ela apenas olha o visor de um celular que tira do bolso e abre, no que é flagrada pelo Outro.

- Pois é, saio daqui de manhã e está um solão, chegando lá é só neblina.

O Outro assente com a cabeça, pouco interesse. Ele vira as costas para os outros dois, afetando novo interesse pelo painel de botões. Aperta de novo todos os botões. Segundos depois vira de volta, encarando-os rindo.

- Por que será que indicam o térreo com a letra P?

- P é de pilotis – o tom de voz de Ela está mais cansado que desdenhoso.

- Ah, ok.

Ele faz uma tentativa ainda - Você trabalha onde lá na Jânio, companheiro? –mas é interrompido pela abertura da porta do elevador.

Segundo andar.

- Descendo?

- Não.

- Como se coubesse mais alguém; – A piada de Ele só carrega mais os ânimos e o ambiente. Ela respira fundo e com força para contornar um esgar de nervosismo – mas longe de mim sugerir que tem alguém gordinho nesse elevador.

Ela o fuzila mentalmente. O Outro vira o rosto, para não mostrar reação ao engraçadinho; faz mais uma tentativa, com Ela desta vez.

- E como anda o Tato? Outro dia via o Cadu descer com ele.

Ela retira um pacote de batatinhas fritas de uma das sacolas que está dentro do carrinho. Lê as informações nutricionais na embalagem antes de abrir. Não oferece e as come com avidez. Parece meditar antes de responder.

Terceiro andar.

- O Tato anda bem; naquelas, você sabe.

- Ouvi o Otávio dizer que ele está melhorando – baixam o tom de voz, querem evitar intromissões de Ele.

- Bom, teve de passar por um procedimento semana passada.

Falham em evitar.

- A minha sobrinha estava com problemas de Tato também, mas o tatuador disse que consertaria sem cobrar a mais, e... – a digressão piadista de Ele é cortada por palavras resignadamente abatidas de Ela.

- Tato é o meu filho, ele tem probl...

O solavanco suave do elevador parando a interrompe.

 – Opa, esse é meu andar – Ele sai abafando as risadinhas que crê também ter provocado nos outros dois.

Quarto andar.

A mão que o Outro pousa no ombro de Ela pretende ser consoladora.

- Ele está bem agora?

- Sim – afasta o ombro incomodada.

Silêncio constrangedor.

Quinto andar.

- Espero que não tenha sido nada grave – O Outro a olha nos olhos. Ela olha para os lados, evitando.

Mais silêncio.

- Bom, agora vou dar o remédio dele. Sorte que ainda peguei a farmácia aberta – Ela abre de novo o celular, cujo visor agora indica terem passado oito minutos da hora da dose do remédio.

O elevador pára no sexto andar e os dois não se tocam em despedida. Apenas trocam as palavras escassas de hábito.

- Se cuidem vocês – o Outro tem algo a mais a dizer, mas só fica perplexo diante da ausência de resposta de Ela, há tempos não a via tão macambúzia. Ela terminou as batatinhas, limpa a mão na calça antes de sair.

O Outro a toca no ombro outra vez, com a ponta dos dedos; condoído com Ela ter de carregar tanta coisa.

- Ei, você não quer ajuda com as compras?

- Obrigado.

A Vizinha esperava à porta da casa de Ela. Apreensiva enxugava as mãos imaginariamente molhadas com um pano de prato, repetitivamente. Apesar da pressa de Ela, o Outro vem à frente empurrando o carrinho abarrotado de sacolas plásticas com comida e produtos de limpeza disposto, mas lentamente por causa do peso.

- Dona, o Cadu saiu mais cedo para a faculdade hoje e me pediu para ligar para a senhora caso o Tato precisasse de algo, mas não deixou a chave nem o número da senhora. Há uns quarenta minutos o Tato começou a berrar e bater nas coisas, fez o escarcéu de sempre.

A pressa dispara os gestos atônitos de Ela

- Tudo bem, já vou dar o remédio dele.

- Na verdade, eu estou preocupada é com ele ter parado de gritar há uns dez minutos.

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