segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

algo apocalíptico assombra a decisão de sair na rua em dias esquisitos: jogo do Brasil na Copa, carnaval, eleições. pedestres desgarrados, ambulâncias interrompendo pistas, cercas de última hora que não conseguem separar um lugar para os ambulantes e um lugar para os festeiros. lixo. sirenes, choros de bebê, sempre alguém vestido de mulher ou de gladiador.  suores perto uns dos outros, de raspão. tudo meio de raspão, obrigando a dar a volta, da manta de artesanato dos hippies à camisinha usada que é embaraçoso quando uma crinça pergunta o que é. no caso, estava em São Paulo no dia trinta e um de dezembro, especificamente na estação de metrô às três da tarde, voltando pra casa, quando recebi uma ligação marcando na livraria três horas depois. não fazendo sentido ir pra casa pra depois voltar, decidimos ir andando até a livraria, passar num café, fazer disso um passeio. acontece que tirnta e um é dia de São Silvestre. mais que nunca as mesas daquele bar antes do Trianon invadiam a calçada. nublado e calor. pessoas sem camisa. pessoas com roupa de superman. ela precisava sacar dinheiro, atravessamos a rua, atravessamos a espessura de pessoas que já tinham se postado na calçado pra assistir à corrida. pela quantida de lixo e pelos dois mendigos dormindo em frente, era de se pensar que a agência estivesse fechada. não é bem um vitrine, é só um vidro mesmo o que separa os caixas automáticos da rua. imaginável que no caso de um assalto, ninuém perceberia, mesmo com o vidro, o pessoal estaria assistindo a corrida, de costas pra movimentação no banco. não dava pra ver a pista de lá de dentro. uma peruca black power verde e amarela ajudava a atrapalhar. comecei a olhar em volta enquanto ela sacava o dinheiro, vigiar se as câmeras pareciam ligadas, se estava tudo bem com as lixeiras. demorei a perceber as pernas de um corpo cujo torso se escondia atrás da divisória de um caixa eletrônico mais longe. pés inquietos, tênis baratos, batucando o piso. quando eu tinha onze anos li uma reportagem numa revista sobre essa doença que os laboratórios estavam inventando: não era uma doença de verdade, era mais uma sugestão psicológica, pra fazer as pessoas um remédio lá que eles tinham inventado. chamava a doença das pernas inquietas. até aí tudo bem. o assustador foi quando na semana seguinte eu li numa revista infantil, na seção de cartas dos leitores, uma carta que dizia algo como tenho uma doença curiosa, minhas pernas não conseguem arar quietas, se quiser saber mais obre essa doença estranha acesse o site xis. um negócio meio teoria da conspiração. esse par barato de tênis batucantes da agência poderia ser um agente esquecido de um desses laboratórios, que esqueceram de avisar do fim da missão, que ficou preso a uma terra de ninguém. isso eu penso na hora lá, no minuto e meio que demora pro caixa automático entregar o dinheiro dela. no minuto e meio em que eu descubro que é um homem o dono das pernas, e que não para de olhar pra mim, repetidamente, põe a cabea para fora da divsória do caixa eletrônico, vigia, volta a cabeça para o caixa eletrônico. faz isso umas dez vezes. meio fissurado, parece. se ele quiser nos matar nenhum dos corredores do pelotão amador da São Silvestre vai ouvir. reabilitaram as vuvuzelas. movimentos estranhos, no rabo do olho. usa as mãos para formar um número, um valor mais baixo do que ela queria sacar, pro caso de o cara nos abordar. ela não entende. eu não sei se dá pra explicar pra ela com sussurros ou o cara vai desconfiar, achar minha movimentação suspeita. ela sai praticamente arrastada por mim da agência, mal tendo tempo de apertar finalizar pra fechar a tela do caixa eletrônico. não olho pra trás conforme nos misturamos à multidão. só quando chegas à calçada do outro lado é que se ouve a pistola que marca a largada dos competidores.