segunda-feira, 4 de julho de 2011

Esse impedimento.

Esse impedimento, na verdade, era um alívio. Porque ele não saberia dar nada pessoal. Mais o valor de retribuição, do obrigatório pra tapar o buraco que o presente recebido deixou. Ele não saberia nem saber se o presente levava intenção. Cogitou dar um vinho também até lembrar de que não aceitam líquido na bagagem de mão. E ela só leva bagagem de mão. Mas aí já estava na loja de importação rodeado de cestas. Nenhum chocolate à altura do presente recebido, independente do preço; nada. Do sorriso ao ângulo de quarenta e cinco graus entre o rosto e o ombro da atendente ensaiando algo pra ser pessoal, a loja era acolhedora demais para convencê-lo. E havia pessoalidade em receber um presente acompanhado de um comentário lembrei de você, mas ele não podia ir tão longe sem saber. Embora ela tivesse aberto uma margem. O ventilador não resolvia nada, grunhia um tique irritante que a permanência longa na loja tornou quase imperceptível e provocava um farfalhar na palha falsa, estofo do fundo das cestas. A mocinha não sabia os preços, não existem etiquetas, é visível que ela se esforça para dizer algo que agrade. Ou faça ele pelo menos aprová-la. Se bem que já confundiram ele com aquele ator tantas vezes que pode ser isso. Vai ver que ela quer um autógrafo. Ou uma foto autografada. Ele bem que percebeu a agitação desde o começo, os dentes excessivamente à mostra, os gestos largos pra se fazer notar. Talvez ignorar numa autêntica atitude blasé resolvesse o problema. No que a mocinha ainda chegaria em casa grasnando vocês não sabem quem esteve lá na loja hoje. Ele só quer um presente mais barato possível. Ou seja, o mínimo mais caro do que o que ela deu. Escolher logo, se livrar da autossatisfação com que dois pivetes de short e havaianas encaram as cervejas importadas. Nada pessoal, algo que no fundo perguntasse quer dar mais uma sem precisar se explicar ou rememorar. Os óculos escuros vão numa das mãos, hastes dobradas, que os insere no bolso interno do paletó. A mocinha gagueja inaudível, a boca vacila. Porque por pior que seja o olhar quarenta e três dele ao pedir uma sugestão de algo impessoal para a chefe que viaja no dia, a menina se convence. Começou a chorar. Tenta abraçar o ídolo por cima do balcão felizmente largo o bastante para separar os dois. Até a desculpa de ter esquecido a carteira cola nesse dia memorável. A mocinha carrega o pacote pra ele até a porta. Ele arrematou o sublime do momento dando uma olhadela pra trás e piscando com um olho. Momentos antes de colocar os óculos escuros. O sininho toca. A ternura da mocinha olhando para o guardanapo assinado. Pena que ele não conseguiu entregar o presente. Chegou atrasado ao aeroporto, só a tempo de pegar o próprio voo. Acabou que eu me dei bem, ficou parecendo que ele não tinha esquecido o nosso aniversário.


(as duas primeiras frases deste conto eu roubei
do Nada a Dizer, da Elvira Vigna,
admito)

2 contos de réis:

Ferdi Mendonça disse...

Gostei de verdade da atmosfera de indecisão entre importância e indiferença.

Anônimo disse...

Impedimento providencial!

Me lembrei de um episódios dos simpsons, que a marge dá um presente de aniversário de casamento para o homer que, por sua vez, esqueceu de comprar o presente dela. O presente que ela deu pra ele era um presente para ele dar para ela, pois ela sabia que ele se esqueceria.

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